quinta-feira, 22 de julho de 2010

"O Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro;
tampouco é "a realidade da idéia moral", nem "a imagem e a realidade da razão", como afirma Hegel.
É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a
mantê-lo dentro dos limites da "ordem".

Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. (...)

Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os escravos subjugados; o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado.(...)

No dia em que o termômetro do sufrágio universal registrar para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão tanto quanto os capitalistas - o que lhes cabe fazer.
Portanto, o Estado não tem existido eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor noção do Estado ou de seu poder. Ao chegar a certa fase de desenvolvimento econômico, que estava necessariamente ligada á divisão da sociedade em classes, essa divisão tornou o Estado uma necessidade. (...)

Nesse modo de produzir, porém, foi-se introduzindo lentamente a divisão do trabalho. Minou a
produção e a apropriação em comum, erigiu em regra dominante a apropriação individual, criando, assim, a troca entre indivíduos (já examinamos como, anteriormente). Pouco a pouco, a produção mercantil tornou-se a forma dominante.
Com a produção mercantil - produção não mais para o consumo pessoal e sim para a troca - os
produtos passam necessariamente de umas para outras mãos. O produtor separa-se de seu produto na troca, e já não sabe o que é feito dele. Logo que o dinheiro, e com ele o comerciante, intervém como intermediário entre os produtores, complica-se o sistema de troca e torna-se ainda mais incerto o destino final dos produtos.
Os comerciantes são muitos, e nenhum deles sabe o que o outro está fazendo. As mercadorias agora não passam apenas de mão em mão, mas também de mercado a mercado; os produtores já deixaram de ser os senhores da produção total das condições de sua própria vida, e tampouco os comerciantes chegaram a sê-lo.

Os produtos e a produção estão entregues ao acaso.
Mas o acaso não é mais que um dos pólos de uma interdependência, da qual o outro pólo se chama necessidade.
Na natureza, onde também parece imperar o acaso, faz muito tempo que pudemos demonstrar,
em cada domínio específico, a necessidade imanente e as leis internas que se afirmam em tal acaso.
E o que é certo para a natureza também o é para a sociedade.
Quanto mais uma atividade social, uma série de processos sociais, escapam do controle consciente do homem, quanto mais parecem abandonados ao puro acaso, tanto mais as leis próprias, imanentes, do dito acaso se manifestam como uma necessidade natural.
Leis análogas também regem as eventualidades da produção mercantil e da troca de mercadorias; frente ao produtor e ao comerciante isolados, aparecem como forças estranhas e no início até desconhecidas, cuja natureza precisa ser laboriosamente investigada e estudada.
Estas leis econômicas da produção mercantil modificam-se de acordo com os diversos graus de
desenvolvimento dessa forma de produção; mas todo o período da civilização, em geral, está regido por elas.

Até hoje, o produto ainda domina o produtor; até hoje, tôda a produção social ainda é regulada, não segundo um plano elaborado coletivamente, mas por leis cegas que atuam com a força dos elementos, em última instância nas tempestades dos períodos de crise comercial.
Vimos como, numa fase bastante primitiva do desenvolvimento da produção, a força de trabalho do homem se tornou apta para produzir consideravelmente mais do que era preciso para a manutenção do produtor, e como essa fase de desenvolvimento é, no essencial, a mesma em que nasceram a divisão do trabalho e a troca entre indivíduos.
Não se demorou muito a descobrir a grande "verdade" de que também o homem podia servir de mercadoria, de que a força de trabalho do homem podia chegar a ser objeto de troca e consumo, desde que o homem se transformasse em escravo.

Mal os homens tinham descoberto a troca e começaram logo a ser trocados, eles próprios.
O ativo se transformava em passivo, independentemente da vontade humana.
Com a escravidão, que atingiu o seu mais alto grau de desenvolvimento sob a civilização, veio a
primeira grande cisão da sociedade em uma classe que explorava e outra que era explorada.
Esta cisão manteve-se através de todo o período civilizado. A escravidão é a primeira forma de exploração, a forma típica da antigüidade; sucedem-na a servidão na Idade Média e o trabalho assalariado nos tempos modernos:
São as três formas de avassalamento que caracterizam as três grandes épocas da civilização. A civilização faz-se sempre acompanhar da escravidão - a princípio franca, depois mais ou menos disfarçada.

O estágio da produção de mercadorias com que começa a civilização caracteriza-se, do ponto-de-vista econômico, pela introdução:
1) da moeda metálica (e, com ela, o capital em dinheiro), dos juros e da usura;
2) dos comerciantes como classe intermediária entre os produtores;
3) da propriedade privada da terra e da hipoteca;
4) do trabalho como forma predominante na produção.

A forma de família que corresponde à civilização e vence definitivamente com ela é a monogamia, a supremacia do homem sobre a mulher, e a família individual como unidade econômica da sociedade. A força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada.
Também são características da civilização: por um lado, a fixação da oposição entre a cidade e o campo como base de tôda a divisão do trabalho social e, por outro lado, a introdução dos testamentos, por meio dos quais o proprietário pode dispor de seus gens ainda depois de morto. (...)
Baseada nesse regime, a civilização realizou coisas de que a antiga sociedade gentílica jamais seria
capaz. Mas as realizou pondo em movimento os impulsos e as paixões mais vis do homem e em detrimento
das suas melhores disposições. A ambição mais vulgar tem sido a força motriz da civilização, desde seus
primeiros dias até o presente; seu objetivo determinante é a riqueza, e outra vez a riqueza, e sempre a riqueza
- mas não a da sociedade, e sim de tal ou qual mesquinho indivíduo.




ENGELS. A Origem Da Família, Da Propriedade Privada e Do Estado

sexta-feira, 9 de julho de 2010

a mudança que queremos ver

“Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar.
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”

"Baby, compra o jornal
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade...

Baby escuta o galo cantar
A aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar
Amanheceu o pensamento...

O poeta está vivo
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história...

Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento."

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Não sois máquinas! Homens é o que Sois!


"Tenha coragem de usar seu próprio entendimento!"

O QUE É A ILUSTRAÇÃO?


A ilustração (Aufklãrung) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele é o própio responsável. A menoridade é a incapacidade de fazer uso do entendimento sem a condução de um outro. O homem é o próprio culpado dessa menoridade quando sua causa reside não na falta de entendimento, mas na falta de resolução e coragem para usá-lo sem a condução de um outro.
Sapere aude! "Tenha coragem de usar seu próprio entendimento!" - esse é o lema da ilustração).
Preguiça e covardia são as razões pelas quais uma tão grande parcela da humanidade permane- ce na menoridade mesmo depois que a natureza a liberou da condução externa (naturalider maiorennes); e essas são também as razões pelas quais é tão fácil para outros manterem-se como seus guardiões.
É cômodo ser menor. Se tenho um livro que substitui meu entendimento, um diretor espiritual que tem uma consciência por mim, um médico que decide sobre a minha dieta e assim por diante, não preciso me esforçar. Não preciso pensar se puder pagar: outros prontamente assumiram por mim o trabalho penoso. Que a passagem à maioridade seja tida como muito difícil e perigosa pela maior parte da humanidade (e por todo o belo sexo) deve-se a que os guardiões de bom grado se encarregam da sua tutela.
Inicialmente os guardiões domesticam o seu gado, e certificam-se de que essas criaturas plácidas não ousarão dar um único passo sem seus cabrestos: em seguida, os guardiões lhes mostram o perigo que as ameaça caso elas tentem marchar sozinhas, Na verdade, esse perigo não é tão grane Após algumas quedas, as pessoas aprendem a andarem sozinhas. Mas cair uma vez as intimida e comumente as amedronta para as tentativas ulteriores.
É muito difícil para um indivíduo isolado libertar-se da sua menoridade quando ela tornou-se quase a sua natureza (...). Mas que o público se esclareça a si mesmo é muito perfeitamente possível; se lhe for assegurada a liberdade, é quase certo que isso ocorra... Sempre haverá alguns pensadores independentes, mesmo entre os guardiões das grandes massas, que, depois de terem-se libertado da menoridade, disseminarão o espírito de reconhecimento racional tanto de sua própria dignidade quanto da vocação de todo homem para pensar por si mesmo.
Mas note-se que o público, que de inicio foi reduzido à tutela por seus guardiões, obriga-os a permanecer sob jugo, quando é estimulado a se rebelar por guardiões que, eles próprios, são incapazes de qualquer ilustração. Isso mostra quão nocivo é semear preconceitos; mais tarde, voltam-se contra seus autores ou predecessores.
Sendo assim, apenas lentamente o público pode alcançar a ilustração. Talvez a destruição de um despotismo pessoal ou da opressão gananciosa ou tirânica possa ser realizada pela revolução, mas nunca uma verdadeira reforma nas maneiras de pensar.
Enquanto essa reforma não ocorrer, novos preconceitos servirão, tão bem quanto os antigos, para atrelar as grandes massas não-pensantes. Entretanto, nada além da liberdade é necessário à ilustração: na verdade, o que se requer é a mais inofensiva de todas as coisas às quais esse termo pode ser aplicado, ou seja, a liberdade de fazer uso público da própria razão a respeito de tudo (...). A pedra de toque para o estabelecimento do que devem ser as leis de um povo está em saber se o próprio povo poderia ter-se imposto as leis em questão (...). O que o povo não pode decretar para si próprio muito menos pode ser decretado por um monarca, pois a autoridade legislativa deste último baseia-se em que ele une a vontade pública geral na sua própria.
A ele incumbe zelar para que todas as melhorias, verdadeiras ou presumidas, sejam compatíveis com a ordem civil; fazendo isso, ele pode deixar aos súditos que busquem eles próprios o que lhes parece necessário à salvação de suas almas.



(I. Kant, "O que é a ilustração". In Régis C. Andrade. Kant, a liberdade. O indivíduo e a república. in F. Weffort (org). Os clássicos da política, v. 2, p. 83-85.)





"Desejo, eu, aos que me interessam, o sofrimento, a solidão, a enfermidade, as perseguições, o opróbrio...
Desejo que conheçam o profundo menosprezo de si próprios, o tormento de sua própria desconfiança, a angústia da derrota...
E não os lastimo, pois que lhes desejo a coisa única capaz de demonstrar se valem ou não:
a resistência!"

— Friedrich Wilhelm Nietzsche